quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O papão do casal são as tarefas domésticas





Os casais são tão frágeis… até um simples bebé, inocente, coitadinho, consegue mandar abaixo essa instituição bipolar com dois berros e um cocó.
Há mesmo casais que finaram a sua relação no desenrolar de uma briga com uma fralda de cocó a voar na direção da cabeça do outro. (...)
É que quando um casal entra na categoria dos pais, tanto pode vir a comemorar bodas de ouro no baile do Mercado da Ribeira, como vir a enterrar a sua conjugalidade sem direito a coroa de flores. Crescer com os pais juntos já não é tradição e hoje depende, e muito, da saúde mental da relação à data do nascimento do bebé.
Porque viver sozinho já é difícil. Agora aturarmo-nos é um aborrecimento atroz, pelo que precisamos de partilhar esta tarefa. Quando encontramos um inocente disposto a ajudar, eis que viver a dois se torna um desafio ainda mais tramado. E viver a três é um feito que não é para todos. Portanto, quem vive a dois e passa a três ou mais, e consegue fazê-lo com felicidade, é uma família digna de um Nobel da Paz.
Ao casal que diz “Vamos ter um filho!”, apetece logo perguntar se já atingiu a maioridade mental. Para além da idade maioritária e da idade reprodutora, há ainda a idade mental que é muito relevante na decisão de cuidar, educar e aturar um ser humano que vai depender de nós por 30 anos.
Se a coisa correr bem. E que pode não ter a nossa cara. Ou até não ser muito esperto. Convém, por isso, haver muito amor. Não, não é amor ao sofá branquinho nem à camisa de cetim. É mesmo amor-próprio, amor ao inocente que baba a nossa almofada todos os dias do resto da vida, amor para dar como se não houvesse amanhã.
Coisa que, geralmente, só damos despojadamente após uns árduos anos de maturidade mental.
Acontece que quando a responsabilidade desce aos nossos ombros, os nervos galopam à cabeça. Nasce o bebé e começa a festa! “Embala tu que eu dou colinho. E faz a papa ou a sopa, agora com borrego, depois com peixe, mas não abuses da beterraba que faz cocó vermelho. Já trocaste a fralda? É que eu vou ali abaixo à farmácia. Mas onde é que está a chucha? Qual? Sei lá, qualquer uma das cinco que espalhei pelo berço… Vais lá tu ou vou lá eu? É a tua vez. Mas eu é que fiz a noite! E eu dei-lhe banho. Desconfio que lhe está a nascer um dente. Vou ao supermercado. Então, traz iogurtes e papaia para a menina. Sim, depois temos de arrumar os brinquedos. Hum, a ver se ainda ponho a roupa para lavar. Mudas para o canal dos bebés? O quê? Não te ouço! Disse para ires para o raistaparta, ouviste agora ou tens mais cera nos ouvidos que a miúda? Ah, é assim? Então o banho morninho é para o bebé, tu levas com um balde de água fria e enche-o tu!”
Isto é o quotidiano conjugal dos recém-papás. Que além deste diálogo profundo, trabalham muito e arfam que nem cães para chegar a horas a todo o lado. Mas, inexplicavelmente, quando têm uma folga desta rotina parental e olham babados o seu bebé: “É igualzinho a nós, que amor! Vamos fazer outro?”
Dizem que o índice de satisfação do casal cai no primeiro ano de vida do bebé. O resultado daquela grande paixão, o bebé, vem reivindicar espaço, atenção e amor, de forma tão absorvente que são raros os casais que não tremem os joelhos, que não fazem xixi pelas pernas baixo, que não acordam assustados com terrores nocturnos. Buu!
É que, agora, este bebé e casal são de carne e osso. Dá para beliscar que dói. E são ambos uma realidade ligeiramente diferente da imaginada. No sonho, idealizado nos nove meses de gestação, não havia som, a cozinha não estava permanentemente no cenário, a fralda trocada não tinha cheiro, o bebé não tinha a cabeça torta e a mãe e o pai estavam de banho tomado. Porque o nosso cérebro sonha limpinho e com recurso ao photoshop. Como?
Estava só a comentar o que toda a gente sabe: que a realidade é diferente dos sonhos. E então?
Então que me apercebi desta banalidade, que os filhos nascem e muitos dos pais entram em crise. Aliás, crise é recorrer a falinhas mansas, o lar vira mesmo é estado de sítio. Vejo à minha volta muitos casais com filhos pequenos que andam à luta com o novo quotidiano familiar. Bolsam impropérios para as paredes. Todos a estoirar, a postos para enfiar o raio do babete no pescoço do outro e apertar muito bem até esganarem e babarem as palavras que estavam atravessadas. As tréguas são os cinco minutos a sós na casa-de-banho e até mesmo ir ao supermercado é válido para desanuviar.
Podemos culpar as novas identidades, a adaptação, o sono e o cansaço que geram tolerância zero, é tudo verdade. Mas cá para mim, desconfio que a razão principal é bastante mais quotidiana e menos profunda: o bicho papão do casal são as tarefas domésticas. Porque a vida conjugal pós-bebé é tarefeira que se farta. E ser mãe e pai é bom, muito bom. Tarefas à parte. No final, é como diz a frase do poeta: a vida é tudo o que acontece fora do planeado.

Sem comentários: