quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Eutanásia de crianças na Bélgica

 
 
A lei ainda não foi aprovada, mas muito provavelmente será; e se o for, para além de o ser contra pareceres médicos de grande autoridade e contra a voz unânime de todos os líderes das comunidades religiosas mais representativas do País, a Bélgica será a primeira nação do mundo a ter uma legislação que permite a chamada Eutanásia, ou «morte doce», de crianças de qualquer idade.
Os adultos já podem pedir, ou exigir, a injecção letal.
Na Holanda, as crianças com mais de 12 anos ...já o podem fazer desde há alguns anos a esta parte; na Bélgica, se o projecto-lei que acaba de ser discutido e aprovado na específica comissão do Senado for votado favoravelmente pelo Parlamento, como se espera venha a acontecer, um passo extremamente sério será dado no pior sentido que, a sangue-frio, se pode imaginar.
A legislação permissiva da Eutanásia é, em meu entender, ofensiva de coisas essenciais: da especificidade do humano, da dimensão transcendente do vínculo social, do amor como força capaz de vencer o mal, e até da técnica como serviço de humanidade e factor do Bem.
Todos sabemos que há crianças em estado terminal, e qualquer pessoa de bom-senso pode imaginar o sofrimento de algumas crianças, ou a tortura indescritível que pais e outros familiares podem ter de suportar diante de uma criança em estado terminal.
Mesmo não sendo médico, não me custa a crer que possam existir doenças em que a dor seja atroz. Mas tampouco podemos esquecer o seguinte: que qualquer sistema médico competente dispõe hoje de técnicas e meios eficacíssimos no combate à dor aguda, que são inumeráveis os casos de crianças, pais e outros familiares, que experimentam a morte precoce, injusta e «revoltante», com uma graça extraordinária, com uma serenidade e uma profundidade sem igual, de facto, como se essa morte, passado o horror inicial, se tivesse transformado numa graça sem igual.
Esses casos existem; eu conheço alguns.
E porque existem esses casos?
Por uma razão muito simples: porque a conversão ao Amor é possível; porque não raro são as crianças que sofrem quem mais e quem melhor nos educam para essa faceta, de todas a mais bela, que a vida tem: o seu lado composto de ternura e compaixão, de radicalidade afectiva e enorme liberdade diante da frieza da morte.
De facto, a esta só uma força pode vencer: a do Amor; a do Amor sem igual.
Na realidade, são já inumeráveis as crianças que tal batalha venceram e vencem, quotidianamente, em hospitais e hospícios, em casas de acolhimento e outros locais. Não sozinhas, evidentemente; mas graças ao acompanhamento de familiares e amigos, de dedicadíssimos profissionais de saúde e outros agentes do bem.
Julgo, por isso, um terrível retrocesso civilizacional, e uma perigosa descida para o abismo da frieza mortal, que num país no coração da Europa, como é a Bélgica, se esteja a ponto de legislar no sentido de que uma criança em estado de sofrimento terminal, qualquer que seja a sua idade, desde que tenha o consentimento dos pais e do psicólogo que a acompanha, possa pedir, ou mesmo exigir, a terminação artificial da sua existência.
A frieza do racionalismo pode ter as suas razões para um tal passo; mas nada que o bom-senso, e a decência, não nos obrigue a desmontar como uma manifesta forma de egoísmo e, claro, um ataque à inviolabilidade da vida humana a um nível que nenhuma sociedade humana, consciente dos seus próprios valores, alguma vez deveria tolerar.
Se o projecto de lei em causa passar no Parlamento da Bélgica, não é apenas este País do Norte da Europa, cada vez mais frio, que passa a padecer de uma grave anormalidade jurídica na falta de respeito pela Lei que, sendo Natural, está para além das prescrições positivas do legislador humano; de facto, é toda esta nossa Europa, sempre mais obcecada com a frieza do seu racionalismo desprovido de afecto, que resvala para o seu lado pior: o do pragmatismo sem razão humana profunda, o da colocação entre parêntesis, ou mesmo anulação, das razões que brotam do coração.
 
João Vila-Chã SJ

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