sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Porque falha a mensagem pro-vida ?

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Fui recentemente convidado para falar numa sessão de recolha de fundos organizada por um grupo pró-vida do Michigan, que me pediu que reflectisse sobre esta pergunta: «Se é tão óbvio que os defensores da vida têm razão, como é que se explica que não estejam a ganhar?»
Desde que, em 1973, o Supremo Tribunal publicou a sua decisão relativa ao caso Roe v. Wade [o caso jurídico cuja resolução legalizou a prática do aborto nos EUA], que o movimento pró-vida se tem esforçado incansavelmente por ilegalizar o aborto livre. E alcançou algumas vitórias, como a restrição dos abortos com nascimento parcial, algumas leis de notificação dos pais, e um par de nomeações significativas de juízes.
Ainda assim, os Estados Unidos continuam a ter uma das legislações mais permissivas do mundo em matéria de aborto. O movimento pró-vida fez alguns progressos em termos argumentativos, mas não conseguiu fazer qualquer mossa ao Roe v. Wade e suas aplicações sucessivas. Três décadas e meia depois desta magna decisão do Supremo Tribunal, o número de crianças abortadas é verdadeiramente espantoso, rondando os 50 milhões.
O consenso que prevalecia entre as pessoas reunidas naquela sessão era de que o movimento pró-vida tem de informar melhor os americanos sobre a terrível realidade do aborto. Dizia-me um dos presentes: «A maior parte das mulheres que abortam ignora, pura e simplesmente, que os nascituros são seres humanos com direitos». Eu discordo deste ponto de vista; em minha opinião, a maior parte das mulheres sabe, instintivamente, que assim é. Mas, mesmo que não saibam, ou não tenham a certeza, têm apesar de tudo de avaliar os riscos da operação. E, num caso com esta importância – num caso de vida ou morte como este –, tem de se dar ao nascituro o benefício da dúvida. Quando um caçador vê uma coisa mover-se atrás de um ramo e não percebe bem se é um animal ou um ser humano, a atitude mais razoável é não disparar!
Quando se passa à política, o mistério adensa-se. É realmente bizarro que muitos dos que afirmam querer promover a virtude política da compaixão sejam defensores acérrimos do direito ao aborto. Trata-se de pessoas que vertem lágrimas por qualquer grupo vulnerável deste mundo, que sentem a dor das focas, que lamentam profundamente o tráfico sexual na Ásia, que se mostram preocupadas com a difícil situação das crianças do Darfur. E reagem a estas realidades com indignação genuína, mobilizando-se para lutar contra elas. Não se compreende por que motivo os nascituros do seu bairro não lhes inspiram, em geral, a mesma reacção compassiva.
A ideia de escolha não se justifica a si mesma, porque a legitimidade de uma «escolha» depende daquilo que é escolhido. Abraham Lincoln expunha este mesmo argumento há cerca de século e meio. Dizia ele que, se os negros são porcos, então nem há discussão sobre a legitimidade de os comprar e vender; se, porém, os negros são seres humanos, os proprietários de escravos não têm qualquer legitimidade para invocar o argumento da «escolha», na medida em que, com esse argumento, estão a negar a outros seres humanos a possibilidade de eles escolherem. Em suma, não se pode defender a escolha sem se ter em consideração aquilo que vai ser escolhido.
Assim sendo, como se explica que o movimento pró-escolha continue a prevalecer, legal e politicamente, quando assenta em argumentos incorrectos?
Em minha opinião, isto acontece porque o aborto é o detrito da revolução sexual. Assistimos, no último meio século, a uma profunda alteração nos comportamentos sexuais dos ocidentais. Prevalece hoje a ideia generalizada de que, se as pessoas mantiverem relações sexuais fora do casamento, haverá muitas gravidezes indesejadas. E o aborto é visto como uma solução necessária para a resolução desta realidade social.
Para haver revolução sexual, as mulheres têm de ter a mesma autonomia sexual que os homens. Acontece porém que as leis da natureza contradizem esta ideologia, de maneira que as feministas que mais defenderam a revolução sexual – como Simone de Beauvoir, Gloria Steinem, Shulamith Firestone, entre outras – tiveram necessidade de considerar a gravidez uma invasão abusiva do corpo feminino. O feto tornou-se assim, na expressão de Firestone, «um hóspede que não foi convidado». E, tendo em consideração que o feto ocupa o útero da mãe, argumentam estas activistas, a mãe deve ter a possibilidade de escolher se quer mantê-lo vivo ou eliminá-lo.
Diziam os revolucionários marxistas que não podem fazer omeletas sem partir ovos. Ora, não se pode fazer uma revolução sexual sem arranjar maneira de eliminar os detritos. Trinta e cinco anos mais tarde, estes detritos são uma verdadeira montanha, e nós, enquanto sociedade, continuamos a juntar novos bebés à pilha já existente. Naturalmente que o campo pró-escolha não está disposto a admitir nada disto. Para além de ser um embaraço em termos políticos, é desagradável para a própria auto-imagem reconhecer que o preço que se está disposto a pagar pela manutenção da permissividade sexual é a morte dos nascituros.
Mas esta análise poderá ajudar a explicar por que motivo pessoas que, noutras matérias, se mostram compassivas, se mostram igualmente tenazes no combate que levam a cabo contra os mais indefesos, os mais vulneráveis de todos os seres vivos, os nascituros.
Se esta análise for correcta, os argumentos pró-vida terão poucas probabilidades de sucesso se continuarem, muito simplesmente, a salientar que o feto é um ser humano. A oposição já sabe que assim é, como já o sabe a maioria das mulheres que abortam. O movimento pró-vida tem de ter consideração o contexto cultural mais amplo, a saber, o contexto da revolução sexual, que sustenta, de forma invisível mas segura, os triunfantes defensores do aborto.
Não será fácil, mas a luta contra o aborto vai ter de incluir também o combate contra a libertinagem. Temos de voltar ao ponto de partida.
DINESH D'SOUZA
Via newsletter "É o Carteiro"

1 comentário:

Unknown disse...
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