segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Dar mais vida à vida


Dar mais vida à vida


Acompanhar os doentes e famílias em situação de doença incurável e progressiva é o objectivo dos profissionais de saúde que trabalham na área de cuidados paliativos. Quando tudo parece perdido, estes profissionais vêm demonstrar que a vida continua a ter sentido.


A notícia de que se tem uma doença incurável é recebida como uma "bomba". O mundo desabafa e, de repente, a chama da esperança apaga-se, acendendo-se o receio de enfrentar a morte. No choque do momento, muitos doentes reagem com revolta, perante a derradeira frase "Não há nada a fazer!", veiculada por muitos profissionais. Quem trabalha na área de cuidados paliativos garante que há muito a fazer.


Não se trata de uma promessa de cura. "Os cuidados paliativos são dirigidos a pessoas em sofrimento, seja em situação de doenças graves e altamente incapacitantes ou doenças incuráveis e progressivas", explica a Dr.ª Isabel Galriça, presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP).


O objectivo, para além de controlar a dor física, é aliviar muito do sofrimento que consome os doentes com patologia incurável e progressiva. "Quando não se pode curar, podemos desenvolver estratégias terapêuticas que visam dar qualidade de vida a estes doentes", acrescenta a médica, também responsável pela Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital da Luz, em Lisboa.


Não se pretende "camuflar" o problema, fazendo de conta que a doença não existe. O trabalho destas equipas de profissionais implica "o exercício de uma Medicina humanizada e, ao mesmo tempo, técnica, que usa todos os meios para promover o conforto dos doentes".


Nos cuidados paliativos "não se usam medidas drásticas, agressivas e desproporcionadas para manter as pessoas vivas". Acima de tudo, "respeita-se a vida, sem ignorar a inevitabilidade da morte", fundamenta. Para Isabel Galriça, os cuidados paliativos "não são o fim da linha". Esta razão justifica o aparecimento precoce e não no momento em que as especialidades esgotaram a resposta.


"Os doentes podem viver meses e, alguns deles, anos a receber cuidados paliativos. E isto não invalida que possam receber apoio de outras especialidades. Uns cuidados não impedem os outros, desde que o objectivo seja maximizar a qualidade de vida."

"Partir" com tranquilidade


Os destinatários destes cuidados, contrariamente ao que se julga, não são apenas os doentes oncológicos. As patologias neurológicas degenerativas, insuficiências hepáticas crónicas, cardíacas, respiratórias, renais, as infecções VIH/Sida, em falência terapêutica, também fazem parte do campo de intervenção da equipa multidisciplinar da Medicina Paliativa.


"Os cuidados paliativos não são uma antecâmara da morte para doentes em fase terminal", reforça Isabel Galriça. Para a especialista, "a morte não é uma possibilidade, é um facto da própria vida". E, independentemente dos avanços da Medicina, "a imortalidade ainda não é uma conquista".


A Medicina Paliativa assume-se, assim, como uma resposta ao sofrimento perante a doença incurável. "Enquanto se julgar que esta fase terminal é, inevitavelmente, um período de angústia, acha-se sempre que não há nada a fazer. Ignorar a morte, para além de nos tornar infelizes, contribui para que o final da vida seja mais traumático."


Então, o que podemos e devemos fazer para que essa não seja uma etapa de sofrimento? "Não se deve olhar para a morte como um fracasso, como uma derrota, como uma batalha perdida. Os profissionais de saúde nesta área entendem que, apesar de ser difícil, têm a função de ajudar as pessoas a partirem com tranquilidade", responde.

Dois anos no terreno


A equipa da Unidade de Medicina Paliativa do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, composta por um núcleo de seis profissionais (e alguns colaboradores), prepara-se para assinalar o seu segundo aniversário. Desde Janeiro de 2007, a equipa tem-se esforçado para que a vida, em virtude de uma doença incurável, ganhe um novo significado.


"Estes doentes não deixam de ter expectativas e desejos. O trabalho técnico não consiste, exclusivamente, no alívio de sintomas. Frequentemente, há assuntos "pendurados" que incomodam e angustiam o doente. Sabemos que o sucesso terapêutico depende de uma intervenção mais alargada contemplando problemas de índole, psicológica e existencial", diz a Dr.ª Filipa Tavares, médica da Unidade.


Ao longo destes dois anos, "várias centenas de doentes e famílias têm demonstrado que é possível manter ou redescobrir a esperança", garante Amélia Matos, enfermeira chefe da Unidade. O trabalho destes profissionais consegue produzir resultados que, embora não sendo a cura, assentam na promoção de conforto e bem-estar. "Os nossos cuidados não têm como objectivo abreviar o tempo de vida, mas sim acompanhar o seu curso", salienta a médica.


O conceito de "dignidade" tem um papel central na Medicina Paliativa. "A filosofia dos cuidados paliativos preconiza o respeito pelo doentes, que, enquanto pessoas, têm o direito de desfrutar daquilo que lhe é mais significativo, independentemente do tempo de vida restante." E para que isso aconteça é preciso respeitar a sua "autonomia", a sua "individualidade", o seu "direito à informação e à tomada de decisão".


Depois da morte, "as famílias que assim o desejam podem continuar a ser apoiadas na consulta de Acompanhamento no Luto", explica a enfermeira. E acrescenta que, "em algumas circunstâncias, o processo de doença de um familiar ou amigo pode despertar uma necessidade de ajuda ao próximo", havendo pessoas que, "mais tarde, encontram em programas de voluntariado uma forma de partilharem vivências e saberes adquiridos".

Cuidados Paliativos em Portugal


Comparativamente com outros países, "Portugal está ao mesmo nível na área de cuidados paliativos", diz Isabel Galriça. A única diferença permanece na disponibilidade de alguns fármacos para o tratamento da dor, como é o caso da metadona. "Mas do ponto de vista de preparação dos técnicos e de diferenciação estamos no mesmo patamar que a Espanha ou Canadá". Sendo esta uma área que requer formação específica, a presidente da APCP (www.apcp.com.pt/) é da opinião de que ainda existem falta de profissionais em Portugal.


"O ministério comprometeu-se a criar mais unidades, mas o que se tem visto é que há unidades que se preparam para encerrar, o que não se coaduna com esta preocupação." Para se inaugurarem mais unidades, Isabel Galriça reforça a necessidade de se prepararem mais profissionais nesta área, porque "o factor qualidade é de extrema importância".

Andreia Pereira, daqui.

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