sábado, 19 de maio de 2007

Decadência Suave



De acordo com as últimas estatísticas, Portugal confirma e reforça a profunda crise de natalidade em que está mergulhado desde há quase 30 anos. Dizem os números que, entre nós, o índice sintético de fertilidade caiu para níveis baixíssimos, que se destacam até dos que se registam na grande maioria dos países europeus.
Ora como descrever uma sociedade que lentamente se vai condenando à morte senão repetindo o adjectivo decadente? Serve-nos de consolo saber que a queda das taxas de natalidade é um fenómeno quase universal, e que só não ilustra a realidade demográfica da África sub-Saariana? Que até as regiões outrora conhecidas pelo seu contributo para a "explosão demográfica", como a América Latina, o mundo Árabe, ou o Extremo-Oriente, cada vez mais têm dificuldades em renovar as suas gerações? Que há países como a Bulgária e a Ucrânia que correm seríssimos riscos de desertificação?
Não é um exagero sugerir que a sociedade portuguesa está ameaçada por contradições fatais. Apostada em esticar a vida de todos, é, no entanto, incapaz de gerá-la. Idolatra a juventude e invoca o futuro, mas é estruturada pelos velhos e pressionada pelo presente. É fácil definir a contradição: as suas aspirações não são compatíveis com a sua matéria. A idolatria da juventude, que já é demonstrativa de uma certa patologia, será ainda mais confrangedora no futuro envelhecido. Quanto mais velhos formos como povo, mais jovens quereremos ser, coisa que preverte um sem-número de aspectos associados a relações humanas minimamente saudáveis. Será uma sociedade tensa, frustrada, ridícula, insegura de si e incapaz de assegurar a sua existência no futuro.
E depois há o Estado-Providência. A esquerda não ignora que os números da demografia ditam inapelavelmente a morte pura e simples do Estado-Providência. Resta saber o que a esquerda está disposta a aprender com esta relação simples, mas brutal. Estaline abriu as igrejas, soltou os sacerdotes e elogiou as cerimónias quando percebeu que precisava da religião russa para vencer a Grande Guerra Patriótica. Talvez um dia a nossa esquerda, ainda tão obstinada em ver na Igreja Católica um mero receituário de obscurantismo, perceba que a exortação cristã à natalidade poderá ajudar a salvar uma das pérolas mais preciosas do seu espólio. Não custa muito. E, graças a Deus, nem é preciso acreditar Nele.

Miguel Morgado, in blog "Cachimbo de Magritte"

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